segunda-feira, 11 de abril de 2011

Ela Não Presta



Bia não sabia explicar porque desde pequena ouvira que não prestava, gostava de brincar como as outras crianças e a maldade ainda não existia em seu coração, somente impulsos de criança, mas era muito recriminada por todos seus atos.
Quantas vezes em seu quarto antes de dormir escutara seu pai dizer o quanto ela era má ao mesmo tempo em que percebia sua mãe, como toda mulher submissa ouvir calada.
Continuando a arte não prestar, escolheu mal os namorados e o “ela não presta” apareceu novamente em um dia que estava namorando no carro em frente sua casa e fora recolhida por seu pai para dentro, depois de ele lhe dizer: “O que as pessoas vão falar de você?". Alguns meses depois perdeu a virgindade e pensou: É, realmente...
— “Eu não presto.”
Tentando fugir dessa terrível afirmação levou anos até se recuperar do trauma e entrar novamente em um relacionamento — Alguém tem noção do que é ficar todo esse tempo sem dar umazinha? ­— Decidiu então trabalhar para provar a si mesma e as pessoas que prestava. Dessa forma conseguiu prestar por algum tempo, mas adivinhem...
As garotas da mesma idade estavam se divertindo escolhendo o cursinho de vestibular e fazendo sexo sem compromisso. Seria verdade a máxima popular “O que o corpo quer a alma entende”? Não para Bia! Ela só queria prestar.
Depois de muito tempo surgiu o novo eleito. Apesar dela não estar apaixonada e não ter gostado do beijo, ele parecia ser um bom rapaz. Mas logo a máscara caiu e o fulano se revelou lobo em pele de cordeirinho. Bia descobriu que definitivamente prestar passava longe de seus pensamentos. No dia em que terminou o relacionamento ele não disse uma palavra, apenas olhou para ela e foi embora. A vontade de Bia era gritar palavrões e partir para ignorância, mas o máximo que ela fez foi dizer umas verdades e devolver os pertences que ele havia deixado em sua casa, afinal alguém ali tinha que prestar.
Enquanto isso a Janis gritava no CD Player: Oh, oh, break it!¹
Depois disso chorou, perdeu sua carona de ida e volta para o trabalho, teria que voltar a utilizar o ônibus da empresa e pagar cinquentinha por mês. Tudo voltou ao normal, casa trabalho e vice e versa, três semanas depois começou um outro namoro sem pensar e nem escolher direito. Quem sabe assim não dá certo? Claro que não! O relacionamento foi uma merda e o sujeito um canalha.
Bia percebeu ser a única preocupada em prestar nessa história.
No emprego enlouquecera de tanto trabalhar esquencendo sua vida pessoal, ainda assim não conseguira agradar seus pais que insistiam no ela não presta, com uma familia mal estruturada o que haveria sobrado para ela?
A vida vazia a fez entrar em várias sessões de terapia e tomar calmantes para tentar superar as vozes que a perseguiam dizendo repetidamente: "ela não presta"... Desde que se conhecera por gente.
Desesperada largou o trabalho sem se despedir de ningúem e foi embora. Bia, que morava no interior, resolveu ir para São Paulo sem se preocupar com o que faria da vida dai em diante. Chegando lá, deu várias voltas pela cidade e uma casa lhe chamou a atenção, então parou o carro em frente e leu a placa que dizia:
"Precisa-se de moças de boa aparência"
Seu coração disparou, suas mãos tremulas abriram a porta do carro e suas pernas caminharam até a porta, arrastando as malas entrou pela porta tomando coragem para levar a vida que sempre lutara contra.
Desse em dia em diante, sua vida era cheia de falsas noites de glamour, la dizia que era modelo, universitária, atriz e tantas outras mentiras, até que pela ironia do destino acabara se tornando uma das prostitutas mais procuradas pelos empresários e politicos da cidade.
Aconteceu de um desses políticos apaixonar-se por Bia e pedi-la em casamento. Como já fazia dois anos que estava nessa vida, sabia que esse trabalho não duraria por muito mais tempo, além de que, ela nunca havia se apaixonado por ninguém, resolveu aceitar o pedido e constituir sua própria família.
Casou-se, teve dois filhos e apesar de não amar seu marido, levava uma boa vida. Viaja sempre que se sentia deprimida para onde quisesse, cuidar das crianças era sua alegria. Havia até dispensado a babá para dedicar-se mais a elas. Poucas vezes ela visitava sua familia mas quando isso acontecia era tratada como uma rainha, em sua cidade natal era praticamente uma "celebridade". Quem diria que a garota que não prestava escutaria um dia seu pai dizer a todos que Bia era o orgulho da familia.
Todas as vezes em que participava desses cenas mediocres, sentia-se enojada e tinha certeza de que tinha escolhido o caminho certo. Não por ter conseguido admiração de maneira fácil e sim por devolver a toda aquela gente a mesma falsidade.
Em seus pensamentos, a única coisa que tinha certeza, era a de jamais contaminar seus filhos com toda aquela hipocrisia. Lembrou-se da frase que havia lido quando ainda cursava o ensino médio e que nunca se esqueceu:
"Duas coisas que me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e frequentemente o pensamento dela se ocupa: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim."²
Então, sorriu e foi embora sem olhar para trás.




²Immanuel Kant - Critica da Razão Prática (1788)
¹Trecho de Piece Of My Heart - Janis Joplin

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