sexta-feira, 29 de abril de 2011

Falta de Tudo


Saudade! Do que não foi, do que poderia ter sido, do acontecimento, do ousado, de fazer o que ficou inacabado, das palavras que não foram ditas e nem  ouvidas, do momento, da convivência, do que se foi, do que eu não vi, de tudo que foi tirado pelo ódio, pelo ócio, orgulho, ignorância, insegurança e mediocridade.
 Principalmente... Falta da presença que se tornou ausência e agora é vazio.

Vontade! De recuperar o tempo perdido, de gritar, chorar, espernear, enlouquecer pensando no que escapou, fugiu, vazou, perdeu-se de tal forma que não pude segurar, amar, afagar, compreender e perceber antes do que não existe mais se desfizesse.

De como o verbo, Ser, Estar e Continuar... 

Exprimir!  Falar, gritar e criar, as vozes reprimidas  quando são liberadas  ferem, maltratam, humilham, criação é a forma de usar a imaginação com ou sem palavras e soltar os sentimentos guardados.

Permitir... A conversa, o abraço, o  perdão, o desabafo, a tolerância, a humildade, otimismo, relevância, carinho, riso, afago, liberdade, compaixão, o que foi abalado, arrancado e proibido. Para que os erros passados não tragam remorso do que já foi e não pode ser recuperado.

Coragem! Porque o medo rouba coisas demais, gera frustrações, omite sentimentos, oprime a emoção, impele a ação causando imensa culpa pela covardia ter prevalecido sobre as próprias vontades. 

Falta, o que não existe, o que não tem maneira de ser reconstruído ou remendado, falta cada segundo que foi  dilacerado pelo tempo.

Querer!  Refazer cada pedacinho do que ficou pra trás, paralisar o tempo, o momento das decisões que não foram tomadas e o momento de agora já não permite. Tornando fugaz e doído tudo quanto é sentimento arrependido, caindo livremente no que pode ser feito agora e  no que ainda temos á disposição o verdadeiro aprendizado.

domingo, 17 de abril de 2011

Little Fighter



Eu estava na quarta série e era época de festa junina na escola, a professora formava os parzinhos por ordem alfabética, sistemática criada para ser imparcial e para não dar oportunidades de escolha aos alunos, porém muitas vezes  esses sistema falhava pois  dependia de certos fatores externos, como exemplo:

 Fator Primário: Quantidade de  alunos na lista x Quantidade de alunos presentes na classe.

 Fator Agravante: Alunos que não querem dançar ou sentem vergonha de assumirem isso.

 Fator Determinante: As meninas sempre são maioria nas salas de aula e no mundo inteiro.

Resultado... Na hora em que chegou na letra J, não tinha mais nenhum cabra macho para me fazer parceria, decepcionada e com a idéia fixa de um mundo que conspirava contra minha pequena pessoinha, fui para casa derrotada. No dia seguinte, para minha surpresa Carlinhos aluno que havia faltado no dia anterior, interrogado pela professora se gostaria de participar da quadrilha disse sim, e então formamos uma dupla caipira.

Por alguns dias, meus sonhos de protagonizar uma caipirinha dançante da roça manteve-se intacto, mas logo fora dilacerado pelo pirralho sacana que após ouvir Clarice (a única menina da sala que já usava sutiã) afirmar, que dançariam juntos se não fosse... Eu... Euzinha! Ficou  indignado e me humilhou na frente toda a classe dizendo que não queria dançar comigo.

Pirralho de uma figa!!!

Conclusões Iniciais: Ninguém queria dançar com a menininha nerd magrela. 
                   
                     Eu fui ridicularizada!

A professora com pena por meu companheiro ter desistido em cima da hora, me convenceu a ir assistir o evento e acaso faltasse alguém eu poderia ser a substituta. No dia... Lá estava eu de Maria Chiquinhas e pintinhas no rosto uma legitima representante da roça em pé e humilhada (a vontade de me produzir era maior que minha dignidade) vendo todos os coleguinhas dançarem, torcia desesperadamente para me tornar uma das protagonistas do Arraiá e abandonar o papel de mera expectadora.

De repente meus olhos brilharam ao ver Dú... Um garotinho lindo da mesma série, mas de outra classe vindo em minha direção, se aproximou de mim sorridente e tirou-me para darmos vazão ao ritmo junino enquanto a Tia narrava em voz alta:

“Olha a cobra!! É mentira!!”

Mas deveria ser: 

"C'mon you little fighter
 No need to get uptighter
 C'mon you little fighter
 And get back up again
 Oh, get back up again
 Oh, feel your heart again... "¹

Acabamos nos tornando coleguinhas, íamos para escola juntos e comecei a nutrir por ele uma paixonite.

Infelizmente, tempos depois descobri que Dú havia se mudado e nunca mais o vi, mas dos meus amores platônicos de infância este é que me recordo com mais carinho.

Conclusões finais: Quem acredita sempre alcança.
                             
                              Nunca subestime a força de vontade de uma garotinha.
                            
                             Se uma guria do primário se encantar com um garoto e ele for legal com ela... ou ele é imaginário, ou vai mudar-se de cidade.



¹Trecho da música It's Raining Again da banda inglesa Supertramp. 

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Ela Não Presta



Bia não sabia explicar porque desde pequena ouvira que não prestava, gostava de brincar como as outras crianças e a maldade ainda não existia em seu coração, somente impulsos de criança, mas era muito recriminada por todos seus atos.
Quantas vezes em seu quarto antes de dormir escutara seu pai dizer o quanto ela era má ao mesmo tempo em que percebia sua mãe, como toda mulher submissa ouvir calada.
Continuando a arte não prestar, escolheu mal os namorados e o “ela não presta” apareceu novamente em um dia que estava namorando no carro em frente sua casa e fora recolhida por seu pai para dentro, depois de ele lhe dizer: “O que as pessoas vão falar de você?". Alguns meses depois perdeu a virgindade e pensou: É, realmente...
— “Eu não presto.”
Tentando fugir dessa terrível afirmação levou anos até se recuperar do trauma e entrar novamente em um relacionamento — Alguém tem noção do que é ficar todo esse tempo sem dar umazinha? ­— Decidiu então trabalhar para provar a si mesma e as pessoas que prestava. Dessa forma conseguiu prestar por algum tempo, mas adivinhem...
As garotas da mesma idade estavam se divertindo escolhendo o cursinho de vestibular e fazendo sexo sem compromisso. Seria verdade a máxima popular “O que o corpo quer a alma entende”? Não para Bia! Ela só queria prestar.
Depois de muito tempo surgiu o novo eleito. Apesar dela não estar apaixonada e não ter gostado do beijo, ele parecia ser um bom rapaz. Mas logo a máscara caiu e o fulano se revelou lobo em pele de cordeirinho. Bia descobriu que definitivamente prestar passava longe de seus pensamentos. No dia em que terminou o relacionamento ele não disse uma palavra, apenas olhou para ela e foi embora. A vontade de Bia era gritar palavrões e partir para ignorância, mas o máximo que ela fez foi dizer umas verdades e devolver os pertences que ele havia deixado em sua casa, afinal alguém ali tinha que prestar.
Enquanto isso a Janis gritava no CD Player: Oh, oh, break it!¹
Depois disso chorou, perdeu sua carona de ida e volta para o trabalho, teria que voltar a utilizar o ônibus da empresa e pagar cinquentinha por mês. Tudo voltou ao normal, casa trabalho e vice e versa, três semanas depois começou um outro namoro sem pensar e nem escolher direito. Quem sabe assim não dá certo? Claro que não! O relacionamento foi uma merda e o sujeito um canalha.
Bia percebeu ser a única preocupada em prestar nessa história.
No emprego enlouquecera de tanto trabalhar esquencendo sua vida pessoal, ainda assim não conseguira agradar seus pais que insistiam no ela não presta, com uma familia mal estruturada o que haveria sobrado para ela?
A vida vazia a fez entrar em várias sessões de terapia e tomar calmantes para tentar superar as vozes que a perseguiam dizendo repetidamente: "ela não presta"... Desde que se conhecera por gente.
Desesperada largou o trabalho sem se despedir de ningúem e foi embora. Bia, que morava no interior, resolveu ir para São Paulo sem se preocupar com o que faria da vida dai em diante. Chegando lá, deu várias voltas pela cidade e uma casa lhe chamou a atenção, então parou o carro em frente e leu a placa que dizia:
"Precisa-se de moças de boa aparência"
Seu coração disparou, suas mãos tremulas abriram a porta do carro e suas pernas caminharam até a porta, arrastando as malas entrou pela porta tomando coragem para levar a vida que sempre lutara contra.
Desse em dia em diante, sua vida era cheia de falsas noites de glamour, la dizia que era modelo, universitária, atriz e tantas outras mentiras, até que pela ironia do destino acabara se tornando uma das prostitutas mais procuradas pelos empresários e politicos da cidade.
Aconteceu de um desses políticos apaixonar-se por Bia e pedi-la em casamento. Como já fazia dois anos que estava nessa vida, sabia que esse trabalho não duraria por muito mais tempo, além de que, ela nunca havia se apaixonado por ninguém, resolveu aceitar o pedido e constituir sua própria família.
Casou-se, teve dois filhos e apesar de não amar seu marido, levava uma boa vida. Viaja sempre que se sentia deprimida para onde quisesse, cuidar das crianças era sua alegria. Havia até dispensado a babá para dedicar-se mais a elas. Poucas vezes ela visitava sua familia mas quando isso acontecia era tratada como uma rainha, em sua cidade natal era praticamente uma "celebridade". Quem diria que a garota que não prestava escutaria um dia seu pai dizer a todos que Bia era o orgulho da familia.
Todas as vezes em que participava desses cenas mediocres, sentia-se enojada e tinha certeza de que tinha escolhido o caminho certo. Não por ter conseguido admiração de maneira fácil e sim por devolver a toda aquela gente a mesma falsidade.
Em seus pensamentos, a única coisa que tinha certeza, era a de jamais contaminar seus filhos com toda aquela hipocrisia. Lembrou-se da frase que havia lido quando ainda cursava o ensino médio e que nunca se esqueceu:
"Duas coisas que me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e frequentemente o pensamento dela se ocupa: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim."²
Então, sorriu e foi embora sem olhar para trás.




²Immanuel Kant - Critica da Razão Prática (1788)
¹Trecho de Piece Of My Heart - Janis Joplin